sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Tim Maia e uma perola que merece ser (re) descoberta.



Tim Maia é certamente uma das mais queridas figuras da música brasileira, criador de hits de sucesso que estão no nosso inconsciente, e presentes em toda playlist de respeito para soltar a franga chorando as amarguras do amor e remexer o esqueleto.  

Virou livro, virou filme, virou musical, virou uma figura parodiada, muitas vezes imitado, mas nunca equiparada em sua grandeza, virou mito, na época que ser chamado de mito era reservado apenas a quem realmente merecia tal denominação.

Dono de um vozeirão de arrepia e capacidade de interpretar e compor canções que certamente já embalou você numa festinha e te fez refrescar o cecê. Mas também dono de uma personalidade por vezes execrável que fazia dele pivô de várias polemicas, com mulheres, com drogas, com álcool, com músicos que trabalharam com ele, com a mídia, com gravadoras e produtores de shows que sofriam com seus cancelamentos de última hora. Tim Maia foi uma força da natureza, um furacão que devastada tudo por onde passava.

 Mas também encantava, era carinhoso com os amigos quando queria, adorava os animais, no fundo continuou sendo o mesmo garoto pobre da Tijuca que levava marmitas para ganhar uns trocados e sonhava em ser cantor.

Mas Tim Maia, o “preto, gordo e cafajeste” como ele mesmo dizia é muito mais que uma figura de tabloide de fofoca. É uma pessoa essencial para a evolução da música no Brasil. Juntou num romance a soul music americana com a nossa bossa nova e samba, e criou com clássicos atemporais os princípios do verdadeiro funk brasileiro. Não o pastiche de má qualidade que ouvimos hoje em dia e conhecemos como funk/pancadão carioca proferidos por MC’s do mais baixo nível. Falo do verdadeiro funk, feito por músicos de verdade, o verdadeiro balanço que cria aquela sensação estranha, aquele formigamento nos quadris, aquele fogo. Isso é o funk, uma chama selvagem.   

O nosso Barry White fez sucessos dançantes de rachar o assoalho remexem a todos e suas baladas “mela cueca”, como ele mesmo referia são de derramar lagrimas de esguicho até no coração mais duro. Tim Maia era um safado mulherengo, que colecionou paixões, mas também colecionou desilusões, fez músicas que dão dignidade até o mais infeliz dos cornos.

Acontece, que mesmo sendo uma figura muito conhecida, a ponto de ter um enorme culto em torno do sindico até os dias de hoje, se conhece muito pouco da sua discografia além dos hits óbvios. Tim Maia é uma figura muito comentada, muito embalada por entusiastas de fim de semana a procura de uma nova paixão momentânea, mas pouco aprofundada e destrinchada, uma verdadeira falha em nossa memória histórica e musical, tendo em vista a riqueza de seu trabalho, principalmente nos anos 70 até começo dos 80 onde está concentrado o fino de sua obra.   É hora de rever essa falha, embarque comigo nessa viagem, e cavemos mais profundo nessa mina escondida de tesouros onde achamos essa pérola.

Se trata do disco Tim Maia lançado em 1976, outro álbum autointitulado, como ele fez em vários registros anteriores. Um exemplo de um clássico esquecido, mas que merece ser descoberto caso você nunca tenha ouvido. E garanto, tudo que gostamos da música de Tim Maia e fez dela um sucesso está presente aqui.

Capa do álbum


Foi o primeiro álbum de Tim Maia após se desencantar com a Cultura Racional devido a desavenças com o líder da seita. Seita que acabou sendo inspiração para os antológicos álbuns Racional Volume 1 e 2 E apesar dos dois registros (três, contando com o EP póstumo) terem músicas sensacionais, eram liricamente presas aquela temática religiosa, o que dificultou o entendimento e vendas dos discos.

Após sair daquela vida a e voltar para o mundano, Tim Maia se jogou de volta nos prazeres pecaminosos que antes abandonara, e dá-lhe álcool, drogas e sexo. Mas também quis voltar a cantar sobre o que cantava antes, sobre as mazelas amorosas de um cafajeste. Deixando o som mais acessível para o grande público, afinal, era isso que os fãs do sindico queriam e verdadeiramente era aquilo que ele fazia melhor.

Através de seus incríveis grooves, melodias bem construídas e a sensibilidade de sempre. Ele voltou para o mundo de forma certeira. Com o apoio de uma ótima banda que soube encarar com dignidade a pressão que era trabalhar com alguém exigente como Tim.

Um conjunto desses que cria canções marcantes que começa coma abertura Dance Enquanto É Tempo, naquele clima de festa que todos gostamos. Logo nesse começo já somos chamados para arrastas os moveis da sala e começar o baile.

Seguimos com É Preciso Amar, a mensagem é clara no título não? Talvez a maior máxima da vida e o mandamento cristão mais importante.  E essa balada é linda, a “mela cueca” do disco, daquelas para se derreter todo com sua beleza.

Rodésia, com uma flauta que dá um charme especial, além de uma bela mensagem de resistência ao povo negro na África, mostra que Tim Maia não cantava apenas sobre o amor, mas tinha uma preocupação social, ele era o verdadeiro black power.  Minha favorita do disco e aquela música que deveria estar presente em toda coletânea de bom gosto.  

  Márcio Leonardo e Telmo e Sentimental são as pérolas funks de melhor qualidade com um fenomenal trabalho da banda que o acompanhou, uma aula de balanço e safadeza como todo bom funk deve ser.  Verdadeiros baixos federais, guitarras swingadas e bateria com pegada dão a tônica a essas perolas da malandragem. No centro disso está Tim Maia, o rei da festa, aquele que dita todos os passos da dança.

Nobody Can Live Forever mostra toda frustação que Tim Maia estava com seita Racional, um desabafo sincero de uma pessoa que estava querendo se encontrar no mundo. Ninguém era mais sincero como ele quando queria, não tinha medo de ficar nu e se mostrar verdadeiramente ao mundo.

De desencontros e enganos, a próxima música é justamente chamada Me Enganei, um exemplo do melhor da soul music aos moldes de Tim, destaque para o trabalho vocal nessa faixa, inspirado e sentimental.

A sentimental Manhã de Sol Florida, Cheia de Coisa Maravilhosas emociona pela forma que ele consegue criar um clima de esperança e nos mostra a importância de amar a vida.

Brother, Father Sister and Mother com seus belos arranjos e toques de gospel, mostrando que o Tim mandava bem nas músicas cantadas em inglês, com uma dicção perfeita e conhecimento exemplar de como reproduzir a boa música negra vindo da gringa, herança dos tempos que viveu nos EUA e conheceu a black music americana, algo que mudou sua vida.

Batata Frita, o ladrão de bicicleta, com toda sua loucura que começa no título lembra o trabalho de George Clinton. Uma guitarra marcante e esquisita é o destaque aqui, mostrando que a banda estava aberta a experimentalismos no meio daquela sensibilidade pop.

The Dance is Over fecha com chave de ouro. Uma balada clássica, melancólica e nostálgica. A dança acabou e é hora de enfrentar a realidade, diz o refrão.

Contra capa original do LP, Tim possa com seu filho no colo e a banda que o acompanhou na gravação.


Espero que tenham se interessado com a dica do seu amigo que aqui escreve, colocarei um vídeo abaixo do youtube com o álbum na integra para que todos possam ouvi-lo e comprovar sua qualidade

Até a próxima, boa música e que Deus abençoe a todos.




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