“Só
porque eles te servem, não significa que eles gostam de você”.
Você já
imaginou o que passa na vida e na cabeça de quem trabalha como balconista em
lojas de conveniência ou locadoras? Eles podem estar passando por um dia horrível
e os clientes chatos só aparecem lá para piorar a coisa. E se a vida for como
esse filme mostra, esses dias podem ser mais recorrentes do que parece.
Mas o que
esperar de um filme independente de 1994, filmado em preto em branco, tom
teatral, passado inteiro numa loja de conveniência, com diálogos e situações
que são verdadeiras odes ao nerdismo, e vão do tocante ao bizarro? Um filme cru
e sincero sobre o começo da vida adulta? Um filme sexista cheio de palavreado
de baixo calão, mas, ao mesmo tempo, que nos dá uma visão fria, porém sincera e
sentimental das relações humanas. Ora, senão é uma das melhores comedias já
feitas!
Dante
Hicks (Brian O’Halloran) , o personagem central O Balconista, trabalha numa loja de conveniência em Leonardo, New
Jersey. Deveria ser seu dia de folga, mas um colega está doente e ele tem que
cobrir o expediente, o que estragou seu jogo de hockey à tarde. .Alguém colocou
chiclete na fechadura da vitrina da loja, fazendo-o colar por cima um cartaz
escrito que estavam abertos e ficar com
cheiro da graxa que usou para escrever o cartaz pelo resto do dia.
No mesmo
dia, Dante acaba descobrindo que sua ex-namorada irá se casar com outro, outra
ex faleceu e ele ainda tem sérios problemas com a atual, pois descobre que ela
só dormiu com quatro caras na vida (incluindo ele), mas fez sexo oral com
trinta e oito (incluindo ele). Fora isso, ele enfrenta um dia no trabalho no
qual, a cada hora que passa, encontra pessoas mais bizarras, irritantes, e que
criam situações surreais e cômicas, mas que parecem ser recorrentes em sua
vida.
Esse dia,
de extrema má sorte é o que iremos acompanhar neste engraçado filme. Onde
surgem os mais diversos personagens estranhíssimos, que vem e vão, como o
maluco que faz de tudo para encontrar a dúzia perfeita nas caixas de ovos, ou o
vendedor de chiclete que faz um levante antitabagista.
E talvez
a cereja do bolo seja Randal Graves( Jeff Anderson), o melhor amigo de Dante e
que trabalha na videolocadora ao lado. O melhor personagem do filme,é uma
maquina de soltar tiradas ácidas aos fregueses chatos que aparecem. Maltratando-os
de forma cruel e hilária com suas atitudes e palavreado.
O filme se
movimenta muito pelos diálogos dos personagens e suas consequências. Algo meio teatral em certos momentos. Em
muitas cenas, a câmera fica parada lá, apenas deixando os atores fazerem seu
trabalho e os longos diálogos ditarem o
tom da ação. E esses diálogos são certamente algo que vai do tocante ao bacanal
puro, misturando relacionamentos e a vida de trabalho com um segredo obscuro no
filme O retorno de Jedi, e ate pornô
com hermafroditas.
Mesmo não mostrando nenhuma nudez ou violência, e sua única (e bizarra) cena de
sexo não seja exibida on-screen, o filme não tem medo de pegar pesado na
linguagem e no clima quando necessário. Apesar de que é tudo tão bizarro e
circunstancial que você vai acabar rindo, como rola com Napoleon Dynamite ou Superbd.
Aliás,
O Balconista é considerado um dos grandes precursores das comédias nonsense (o
chamado besteirol por aqui) que ficaram mais famosas nos anos 90, mas já eram
feitas há muito tempo. A diferença é que aqui, apesar das besteiras de sempre,
ainda temos um pouco de inteligência e um lado sensível (sem ser piegas)
envolvendo a coisa.
Alguns
atores nunca tinha atuado na vida antes, e isso é meio perceptível na tela. Mas,
ao mesmo tempo, todos estão tão à vontade nos papéis que tudo soa natural. Por
exemplo, a relação entre Dante e Randal, parece mesmo que eles são amigos de
longa data.
O Balconista
é o perfeito retrato da juventude que entrou na idade adulta sem saber o que
fazer, aquela geração que tem empregos e estudo, mas que realmente parece não
querer ir para lugar nenhum. Se você assiste esse filme no clima e idade certa
vai se sentir estranhamente familiarizado.
E como
representação da juventude ávida por drogas e sexo, temos os antológicos
personagens de Jay e Silent Bob, interpredados, respectivamente, por Jay Mewes
e pelo próprio diretor do filme, Kevin Smith. Os personagens, dois traficantes
que ficam parados na frente da loja, ficaram famosos e participaram de outros
filmes do diretor, até ganhar seu filme próprio O Império do Besteirol Contra Ataca.
Ah, bom
lembrar que alguns filmes do Kevin Smith se passam no mesmo “mundinho”, o
chamado Askewniverse. Por isso é normal ver personagens ou situações
sendo citadas ou aparecendo em outros filmes posteriores. Não estranhe se você
ver algum personagem citando uma situação desse filme em filmes posteriores
como Barrados no Shopping ou Procura-se
Amy.
Esse
certamente é um dos meus filmes de cabeceira, um tipo de obra que eu recomendo
para todos assistirem pelo menos uma vez na vida. Eu simplesmente me apaixonei
pelos seus personagens e diálogos deste a primeira vez que o assisti. Considero
inclusive um dos melhores filmes americanos dos anos 90 e a obra prima do
diretor.
O Balconista foi o primeiro filme de verdade do diretor americano Kevin Smith,
gordinho barbudo e eterno nerd. Bancado de maneira independente e gravado na
loja onde ele próprio trabalhava. Foi com esse filme que ele ficou conhecido e
começou uma carreira de altos e baixos. Feito numa época que o cinema independente
americano estava começando a estourar e seus realizadores estavam entrando no
estrelado.
Curiosidades
Mesmo com
uma mensagem contra o tabaco presente no filme, como numa das primeiras cenas
em que um cliente começa um verdadeiro levante contra o fumo. Kevin Smith
acabou ficando viciado em cigarros depois das filmagens.
O filme é
dividido em nove partes, representando os nove círculos do inferno presentes na
Divina Comedia, não é a toa que o
personagem principal se chama Dante
O diretor
precisou vender boa parte da coleção pessoal de quadrinhos para ter grana para
gravar.
Kevin
Smith originalmente iria interpretar Randal, esse é um dos motivos dele ter
alguma das melhores falas do filme.
O titulo
original do filme seria Inconvenience, depois
foi mudado para Rude Clerks, até
finalmente virar o titulo pelo qual é conhecido hoje em dia.
O Balconista ganhou uma sequencia em 2006
O filme
pornô que Randal assiste existe de verdade, mas é sobre bissexuais e não
hermafroditas.
O filme
acaba praticamente do nada, o que pode deixar algumas pessoas nervosas já que
Dante não resolveu totalmente seus problemas. Mas no final original, que chegou
a ser filmado, Dante seria morto por um assaltante.
Boa parte
do orçamento foi gasto para pagar as musicas usadas durante o filme.
A palavra “fuck” é dita 91 vezes durante o filme.
Infelizmente
até agora o filme só foi lançado em VHS no Brasil, mas vale a pena pegar a
edição em blu-ray lançada lá fora. E o melhor de tudo: tanto o filme quanto os
vários e interessantes extras estão legendados em português do Brasil!