sábado, 23 de fevereiro de 2019

Meu caso de amor com a Legião Urbana



Eu adoro Legião Urbana, considero com certeza uma das maiores e mais importantes bandas de rock que nosso Brasil já teve. Sou um grande admirador da obra e regularmente coloco seus discos para ouvir com bastante gosto e um sorriso de satisfação na cara, aquele sorriso que só damos quando estamos ouvindo música que realmente importa.

Mas nem sempre foi assim.

Se tinha uma coisa que eu não gostava era Legião Urbana, aliás, detestava.

Não sei como começou meu desdém a essa banda. Talvez influencia das pessoas que eu andava e que graças aos céus não ando mais, sabe como a gente é bobo e finge ser o que não é para ser aceito né? Talvez fosse por preconceito, afinal,  aquilo era tudo muito gay para um metaleiro radical e retardado como eu. Ou talvez eram as musicas que não me desciam. Só sei que eu nunca consegui explicar o porque eu detestava tanto Legião Urbana.

E por muito tempo coloquei fixa na minha cabeça a ideia de que eu detestava e detestaria aquela banda pelo resto da minha vida. Detestaria sua pretensão, sua arrogância, sua música e letras pseudo poéticas do pseudopoeta Renato Russo, essa figura que estava no topo da minha lista de pessoas detestáveis, e detestaria seus fãs arrogantes. Enfim tudo que envolvia ela.

E fazia questão de expor isso em minhas redes sociais, em debates acalorados que hoje me causam vergonha ao lembrar da minha estupidez ingênua e juvenil de antes.

A verdade é que eu nunca tinha ouvido direito Legião Urbana com o coração aberto. 

Até que eu fiz o inimaginável, algo que nunca pensei que faria em minha condição: resolvi dar uma chance para a banda e ouvir algum dos seus sucessos com atenção e sem preconceitos, afinal, que ódio mais sincero senão aquele de algo que você não conhece?

Até então eu só conhecia no máximo Que País É Esse? Música que me fazia revirar os olhos toda vez que era tocada, bendita música que era tocada em todo lugar que eu ia.

Foi o disco Dois a vítima escolhida, ouvi sozinho, as escondidas, com uma sensação de culpa, de estar fazendo algo errado. O que era aquilo que eu sentia durante a audição? Eu estava gostando? Afinal, esse Legião Urbana não é tão ruim como eu achava que era. Puta que pariu Lucas, você está gostando de um disco do Legião Urbana?

"Hmm, então anda gostando da minha musica e não admite? tsc tsc" 

Mas ninguém podia saber disso, e eu não conseguia admitir para mim mesmo e para todos que afinal, Legião Urbana não era tão ruim assim como eu pensava que era. Aliás,  estava longe de ser ruim, Legião Urbana era ótimo.

Que hater péssimo eu era, que aos quatro ventos ainda cantava meu desgosto a Legião Urbana, mas vivia ouvindo e cantarolando Tempo Perdido escondido, além de Índios, que achava linda. Isso sempre me deixou com aquele sentimento de traição, estava traindo minha ideologia radical de araque. Mas trair ideologias radicais de araque, é uma delícia, pois vermos o quanto elas são sem sentido.

Eu precisava assumir minha amante para o mundo. Não ficar mais as escondidas. E foi isso que eu fiz, tomei coragem e declarei meu caso romântico ao mundo, propus casamento e fiz juras de amor.



Comprei os cds, afinal boa música tem que ter em formato físico, decorei as letras, botei o som bem alto no aparelho de som e cantei junto.  

Comecei a ver entrevistas com o Renato Russo e hoje acho ele até que simpático.

Também hoje consigo ver a beleza poética de suas letras. Não digo que consigo entende-las completamente, mas pelo menos estou aberto a tentar senti-las.

Não virei legionário e nem pretendo, mas Legião virou uma das minhas bandas de cabeceira.

Mostrei para um amigo, Paulo ,que sempre adorou Legião e o bom BRock minha nova descoberta. Ele não acreditou quando viu na minha coleção aqueles cds do Legião. “Você com esse cd Lucão? Não acredito! ”  Estava surpreso e feliz. Eu também estava surpreso e feliz.

Que satisfação de depois de anos de desdém descobrir uma das mais belas perolas do nosso cenário musical. E que vergonha de mim mesmo por ter ignorado essa banda por tanto tempo por pura ignorância e preconceito. Mas deixemos os erros do passado de lado, eu quero é ouvir o primeiro disco e ficar tocando Soldados e A Dança no repeat por horas



E você, qual banda você detestava e hoje adora?

Até a próxima, boa música, Deus abençoe a todos.



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Tim Maia e uma perola que merece ser (re) descoberta.



Tim Maia é certamente uma das mais queridas figuras da música brasileira, criador de hits de sucesso que estão no nosso inconsciente, e presentes em toda playlist de respeito para soltar a franga chorando as amarguras do amor e remexer o esqueleto.  

Virou livro, virou filme, virou musical, virou uma figura parodiada, muitas vezes imitado, mas nunca equiparada em sua grandeza, virou mito, na época que ser chamado de mito era reservado apenas a quem realmente merecia tal denominação.

Dono de um vozeirão de arrepia e capacidade de interpretar e compor canções que certamente já embalou você numa festinha e te fez refrescar o cecê. Mas também dono de uma personalidade por vezes execrável que fazia dele pivô de várias polemicas, com mulheres, com drogas, com álcool, com músicos que trabalharam com ele, com a mídia, com gravadoras e produtores de shows que sofriam com seus cancelamentos de última hora. Tim Maia foi uma força da natureza, um furacão que devastada tudo por onde passava.

 Mas também encantava, era carinhoso com os amigos quando queria, adorava os animais, no fundo continuou sendo o mesmo garoto pobre da Tijuca que levava marmitas para ganhar uns trocados e sonhava em ser cantor.

Mas Tim Maia, o “preto, gordo e cafajeste” como ele mesmo dizia é muito mais que uma figura de tabloide de fofoca. É uma pessoa essencial para a evolução da música no Brasil. Juntou num romance a soul music americana com a nossa bossa nova e samba, e criou com clássicos atemporais os princípios do verdadeiro funk brasileiro. Não o pastiche de má qualidade que ouvimos hoje em dia e conhecemos como funk/pancadão carioca proferidos por MC’s do mais baixo nível. Falo do verdadeiro funk, feito por músicos de verdade, o verdadeiro balanço que cria aquela sensação estranha, aquele formigamento nos quadris, aquele fogo. Isso é o funk, uma chama selvagem.   

O nosso Barry White fez sucessos dançantes de rachar o assoalho remexem a todos e suas baladas “mela cueca”, como ele mesmo referia são de derramar lagrimas de esguicho até no coração mais duro. Tim Maia era um safado mulherengo, que colecionou paixões, mas também colecionou desilusões, fez músicas que dão dignidade até o mais infeliz dos cornos.

Acontece, que mesmo sendo uma figura muito conhecida, a ponto de ter um enorme culto em torno do sindico até os dias de hoje, se conhece muito pouco da sua discografia além dos hits óbvios. Tim Maia é uma figura muito comentada, muito embalada por entusiastas de fim de semana a procura de uma nova paixão momentânea, mas pouco aprofundada e destrinchada, uma verdadeira falha em nossa memória histórica e musical, tendo em vista a riqueza de seu trabalho, principalmente nos anos 70 até começo dos 80 onde está concentrado o fino de sua obra.   É hora de rever essa falha, embarque comigo nessa viagem, e cavemos mais profundo nessa mina escondida de tesouros onde achamos essa pérola.

Se trata do disco Tim Maia lançado em 1976, outro álbum autointitulado, como ele fez em vários registros anteriores. Um exemplo de um clássico esquecido, mas que merece ser descoberto caso você nunca tenha ouvido. E garanto, tudo que gostamos da música de Tim Maia e fez dela um sucesso está presente aqui.

Capa do álbum


Foi o primeiro álbum de Tim Maia após se desencantar com a Cultura Racional devido a desavenças com o líder da seita. Seita que acabou sendo inspiração para os antológicos álbuns Racional Volume 1 e 2 E apesar dos dois registros (três, contando com o EP póstumo) terem músicas sensacionais, eram liricamente presas aquela temática religiosa, o que dificultou o entendimento e vendas dos discos.

Após sair daquela vida a e voltar para o mundano, Tim Maia se jogou de volta nos prazeres pecaminosos que antes abandonara, e dá-lhe álcool, drogas e sexo. Mas também quis voltar a cantar sobre o que cantava antes, sobre as mazelas amorosas de um cafajeste. Deixando o som mais acessível para o grande público, afinal, era isso que os fãs do sindico queriam e verdadeiramente era aquilo que ele fazia melhor.

Através de seus incríveis grooves, melodias bem construídas e a sensibilidade de sempre. Ele voltou para o mundo de forma certeira. Com o apoio de uma ótima banda que soube encarar com dignidade a pressão que era trabalhar com alguém exigente como Tim.

Um conjunto desses que cria canções marcantes que começa coma abertura Dance Enquanto É Tempo, naquele clima de festa que todos gostamos. Logo nesse começo já somos chamados para arrastas os moveis da sala e começar o baile.

Seguimos com É Preciso Amar, a mensagem é clara no título não? Talvez a maior máxima da vida e o mandamento cristão mais importante.  E essa balada é linda, a “mela cueca” do disco, daquelas para se derreter todo com sua beleza.

Rodésia, com uma flauta que dá um charme especial, além de uma bela mensagem de resistência ao povo negro na África, mostra que Tim Maia não cantava apenas sobre o amor, mas tinha uma preocupação social, ele era o verdadeiro black power.  Minha favorita do disco e aquela música que deveria estar presente em toda coletânea de bom gosto.  

  Márcio Leonardo e Telmo e Sentimental são as pérolas funks de melhor qualidade com um fenomenal trabalho da banda que o acompanhou, uma aula de balanço e safadeza como todo bom funk deve ser.  Verdadeiros baixos federais, guitarras swingadas e bateria com pegada dão a tônica a essas perolas da malandragem. No centro disso está Tim Maia, o rei da festa, aquele que dita todos os passos da dança.

Nobody Can Live Forever mostra toda frustação que Tim Maia estava com seita Racional, um desabafo sincero de uma pessoa que estava querendo se encontrar no mundo. Ninguém era mais sincero como ele quando queria, não tinha medo de ficar nu e se mostrar verdadeiramente ao mundo.

De desencontros e enganos, a próxima música é justamente chamada Me Enganei, um exemplo do melhor da soul music aos moldes de Tim, destaque para o trabalho vocal nessa faixa, inspirado e sentimental.

A sentimental Manhã de Sol Florida, Cheia de Coisa Maravilhosas emociona pela forma que ele consegue criar um clima de esperança e nos mostra a importância de amar a vida.

Brother, Father Sister and Mother com seus belos arranjos e toques de gospel, mostrando que o Tim mandava bem nas músicas cantadas em inglês, com uma dicção perfeita e conhecimento exemplar de como reproduzir a boa música negra vindo da gringa, herança dos tempos que viveu nos EUA e conheceu a black music americana, algo que mudou sua vida.

Batata Frita, o ladrão de bicicleta, com toda sua loucura que começa no título lembra o trabalho de George Clinton. Uma guitarra marcante e esquisita é o destaque aqui, mostrando que a banda estava aberta a experimentalismos no meio daquela sensibilidade pop.

The Dance is Over fecha com chave de ouro. Uma balada clássica, melancólica e nostálgica. A dança acabou e é hora de enfrentar a realidade, diz o refrão.

Contra capa original do LP, Tim possa com seu filho no colo e a banda que o acompanhou na gravação.


Espero que tenham se interessado com a dica do seu amigo que aqui escreve, colocarei um vídeo abaixo do youtube com o álbum na integra para que todos possam ouvi-lo e comprovar sua qualidade

Até a próxima, boa música e que Deus abençoe a todos.