Minha introdução pelo mundo do cinema de horror do cultuado diretor brasileiro José Mojica Marins (lembrando que estou falando apenas dos filmes de terror dele, não das pavorosas investidas pornográficas que ele fez nos tempos de vacas magras dos anos 80) foi no começo por simples curiosidade de saber que existia sim cinema de horror no Brasil.
Curiosidade
básica de quem nasceu em tempos errados e costuma engolir em todo lugar que não
existiu e nem existe cinema de gênero nacional. Papo manjado de critico e
publico que após a retomada tentam fazer um crime pior que a pedofilia o ato de
querer fazer filmes de ação, fantasia, ficção ou no caso aqui, terror no
Brasil.
Um
pensamento totalmente errado, que não afeta somente os realizadores desse tipo
de produção nacional, mas o publico. É como colocar uma venda nos olhos que só
deixa a pessoa ver o que querem que ela veja. O publico deve ser livre para
querer ver o que quer, e alem de tudo, os realizadores devem ser livres para
fazerem o que quiserem.
Cinema é uma
religião para esse que vos escreve e para muitos, assim como foi e é para
Mojica. Uma pessoa a frente do seu tempo
que juntou sua paixão pela coisa e suas qualidades como cineasta para realizar
verdadeiras obras primas.
À Meia Noite Levarei Sua Alma é o filme em foco aqui, primeiro longa de terror do
diretor e considerado também o primeiro filme de terror brasileiro. Um fato
importante para a cinegrafia brasileira, mas que infelizmente não deixa de
chegar com atraso, visto a longa tradição de cinema fantástico estrangeiro,
vindo deste o cinema mudo.
Hoje pode
parecer estranho, mas esse filme que tratamos aqui foi um sucesso de publico,
que ficou vários meses em cartaz. Imagine hoje em dia um filme de horror
nacional fazer bilheteria? Só lembrando que a ultima investida de Mojica, Encarnação Do Demônio, foi um fracasso
no sentido financeiro.
Logo no
começo, temos o próprio Zé do Caixão, interpretado por Mojica de frente para
câmera citando um texto que mostra sua filosofia:
O que é a vida?
É o princípio da morte.
O que é a morte?
É o fim da vida.
O que é a existência?
É a continuidade do sangue.
O que é o sangue?
É a razão da existência.
Podemos ver que o personagem encarnado por Mojica é muito
mais que um simples vilão de filmes de terror. Podemos ver também que não
estamos vendo um simples filme de terror barato.
E por favor, chamar isso de trash é uma heresia. Não
confundam trash com filmes de horror de baixo orçamento, principalmente esse
feito na raça e com muita paixão. O filme é barato? Sim, É mal produzido?
Definitivamente não, alias, ouso dizer que esse é um dos filmes de horror mais
dinâmicos que já vi para sua época.
A trama
mostra uma cidade do interior onde vive o coveiro Josefel Zanatas (Zé do
Caixão), com uma maldade e descrença em dogmas na alma que ultrapassa qualquer
limite de moralidade. Seu objetivo maior é criar o filho perfeito, continuação
de seu sangue, e para isso, precisa da mulher ideal.
A
personificação física de Zé do Caixão é fácil de reconhecer ate para quem nunca
viu um filme dele: capa preta, cartola, e longas unhas. Uma imagem que ficou
certamente marcada no imaginário popular.
Temido
pelos habitantes locais, algo que vemos claramente durante a primeira cena do
bar, onde Josefel corta os dedos de um homem que recusa a pagar uma divida de
jogo. Uma cena gore antes de George Romero popularizar o estilo com seu Night of the Living Dead.
Por isso,
logo nos primeiros minutos, o efeito de filme barato e bobo que ele passa no
começo muda e ele se torna uma obra ultrajante, violenta e corajosa, de
blasfêmias não só da religião, mas de uma sociedade atrasada pelo tempo e
dogmas. Não só pelo personagem de José Mojica ser um filho da mãe violento e
amoral que não insiste em violentar e matar quem passa pelo seu caminho,
deixando ícones modernos do horror gringo como Freddy Kruger e Jason parecerem
menininhas. Ele acredita fielmente no que faz e sua convicção pelos atos
horríveis que comete em frete a câmera é tão forte que acaba sendo justificada.
A
fotografia em preto e branco realça ainda mais o clima de filme clássico da
longa, apesar de que sua violência o deixe atual para a época e ainda para os
dias de hoje. Comer carne durante um feriado religioso pode parecer ingênuo
hoje em dia, mas na época era o mais extremo que um filme, não apenas nacional,
poderia chegar.
A Meia Noite Levarei sua Alma é um filme feito por um cara do povo para o povão que
gosta de horror. Mas se engana quem pensa que aqui temos um produto passageiro.
Como eu disse, Mojica estava e ainda esta a frente do seu tempo. Esta para
nascer uma pessoa no Brasil que traga tantos elementos clássicos e ainda sim
frescos em seus filmes com tanta maestria como ele.
E apesar
de ser difícil não considerar o personagem do Mojica um vilão. Ele foge do
clichê por ser totalmente bem construído, e foge do clichê, pois nos vemos não
somente o lado do vilão, mas as suas motivações e ponto de vista. Violentar uma
mulher para gerar o filho é algo horrível e injustificável, mas ele mostra o
porque dele fazer isso. Não é como um assassino de slasher bobo que apenas mata por matar. Por isso, todo ato de blasfêmia, de violência, de
tirania, é gratuito, mas nunca fora do lugar, por mais que sejam absurdos os
meios que os justificam.
Um dos melhores momentos é a cena em que Zé do Caixão realiza um quase monologo destilando toda sua ira e descrença pela religião. Uma cena intensa, cheia de som e fúria que demonstra e personifica toda a figura do personagem criado por Mojica. Zé do Caixão desafia não apenas os céus nesse momento, mas todos que iriam contra sua carreira ao longo dos anos.
Mojica
tem o famoso caso em que a criatura é mais conhecida que o criador, Zé do
Caixão é o monstro de Frankenstein dele, e sinceramente, acho que ele ficara
marcado com isso por toda a vida. O personagem ficou tão marcado que é mais fácil
a pessoa conhecer a figura do Zé, do que ter visto um filme de fato.
Já vi
muitas pessoas recusarem ver um filme do Mojica por puro preconceito, achando
que ele é a figura que fazia aparições em programas de TV trajando roupas
pretas e rogando pragas, figura que o próprio Mojica personificou para não
morrer de fome.
Podemos
dizer que foi o próprio criador do Zé do Caixão que leva a culpa pela imagem
que as pessoas têm dele hoje em dia? Certamente, não posso culpar a falta de
informação do publico atual, pois essa informação é tão escassa e o primeiro
contado que temos come ela é totalmente errada da sua verdadeira face. Mas
mesmo assim, coloco Zé do Caixão juntos dos grandes monstros clássicos do
cinema mundial. E Mojica como um dos grandes gênios do cinema da nossa era.
Uma dica
de amigo: deixe o preconceito de lado e comece a descobrir a obra do Mojica por
esse filme. Apesar de certos pontos profundos é um filme relativamente fácil de
acompanhar e de se achar para assistir.
Zé do
caixão, a personagem, não é o ser engraçadinho que aparece em festas e
programas de televisão, ele é um vilão no sentido pleno, e seus filmes onde
aparece são clássicos do gênero, cultuados lá fora por muitas pessoas, onde é
chamado de Coffin Joe. Parece que gringo
esta sempre na frente não? Pois é, dessa vez passaram a perna na gente mesmo.
José
Mojica, a pessoa, um cineasta maldito, pode não ser considerado um gênio por
muitos, mas certamente é um batalhador do nosso cinema nacional. Um verdadeiro
anti herói e alguém cujos filmes sempre me lembrarei. Não me canso de dizer que
ele estava a frente do seu tempo (a terceira vez que cito isso no texto), mas digo sem nenhuma culpa que isso é um fato.